A impressão de que a gripe aparece no inverno é bem comum, mas será que ela tem alguma base real?

ResearchBlogging.orgGrosso modo e contando com várias exceções, doenças infecciosas podem ser divididas em agudas e crônicas. A infecção aguda é aquela onde o vírus rapidamente infecta o hospedeiro, causa sintomas, é ou não transmitido e a doença é contida. É o caso do Influenza, sarampo e da dengue. Contrastando com ela, temos a infecção crônica, como a Hepatite C, o HIV e a Tuberculose, que causam doenças de longa duração e sintomas mais leves em um primeiro momento.

Não raro, vírus que causam infecção aguda possuem um ciclo sazonal, ou seja, com ondas de epidemia bem marcadas. Os ciclos podem ser regulados por diversos motivos. Estações do ano, imunidade da população suscetível, ciclo de vida do vetor – como é o caso da dengue, que depende do mosquito Aedes aegipty, que se reproduz durante o período de chuvas, para ser transmitida – são alguns dos fatores que influenciam. [1]

Porcentagem de casos de gripe por semana. Países mais ao norte a ao sul possuem picos bem concentrados de casos. Fonte: referência 4.

Porcentagem de casos de gripe por semana. Países mais ao norte a ao sul como EUA e Argentina possuem casos bem concentrados. Fonte: referência 4

No caso do Influenza, a sazonalidade é bem característica e dependente da latitude. Países de clima temperado, mais ao Norte e mais ao Sul, têm estações de gripe bem definidas durante o inverno, que corresponde aos meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro no Norte e Junho, Julho e Agosto no Sul. Já os países de clima tropical mantém um número de casos relativamente constante ao longo do ano. Os possíveis motivos conhecidos para isso são vários, mas ainda longe de serem tidos como definitivos.

Podemos ver pelo gráfico que em países de latitudes mais extremas a incidência de casos fica concentrada em algumas semanas do ano, a típica estação de gripe que dura de 5 a 10 semanas. Por isso as campanhas de vacinação precisam ocorrer cerca de um mês antes. Assim, com a chegada do inverno já houve tempo para a formação de imunidade.

Já foram propostos mecanismos associados ao vírus e ao hospedeiro para explicar este ciclo.  Da parte do comportamento humano, maiores aglomerações em ambientes fechados durante o inverno, convivência das crianças na escola e até mesmo flutuações no nosso metabolismo e na resposta imune, com o declínio de melatonina e vitamina D no inverno já foram tidos como possíveis explicações. [2]

Mais recentemente, estudos focados nas propriedades do vírus levantaram resultados promissores. Em uma reanálise recente dos dados apresentados por vários artigos, notou-se que a pressão de vapor do ar, ou seja, a quantidade absoluta de água dissolvida no ar possui um efeito negativo sobre o Influenza. Quanto maior a umidade absoluta, menor a transmissão e a viabilidade do vírus no ar. – umidade relativa é a quantidade de água dissolvida no ar em relação ao que ele comporta antes que ela se precipite (como na chuva), quanto mais quente, mais água pode ser dissolvida; umidade absoluta é a quantidade total de água dissolvida no ar, independente do quão próximo de precipitar ela está.

Ou seja, no inverno o ar está mais frio e há menos água dissolvida nele. Com isso o vírus sobrevive (continua infeccioso) no ar por mais tempo e é transmitido com mais eficiência. No verão as temperaturas aumentam, mais água é dissolvida no ar e o vírus é viável por menos tempo, fazendo com que os casos de gripe se concentrem no inverno. Estes resultados sugerem que em locais fechados como creches e escolas, umidificadores de ar podem ser uma boa forma de prevenir a transmissão da gripe. [3]

O fato de o vírus ser mais bem transmitido em baixa pressão de vapor pode estar relacionado à formação de aerossóis e permanência dos mesmos no ar por períodos mais prolongados. Com isso resta a duvida do qual seria a forma de transmissão em países de clima tropical que consegue manter o vírus em circulação durante o ano todo.

A idéia neste caso é que, talvez, em países tropicais, a transmissão ocorra principalmente pelas vias que envolvem contato. O contato com pessoas doentes e com superfícies contaminadas, que entraram em contato com saliva ou muco contendo o vírus.

Isso ajudaria a explicar a transmissão do Influenza A (H1N1) nos países que estavam no verão durante os meses de junho a agosto. Como a maioria da população não possui nenhuma imunidade prévia contra este vírus, ele deve se replicar com mais eficiência e por consequência ser transmitido mais facilmente por contato também, uma vez que o H1N1 e o H3N2 convencionais não foram detectados circulando no mesmo período. [4]

Os ciclos sazonais regem a produção de vacinas e a circulação de novas variantes do vírus, e são um dos principais pontos em aberto sobre a gripe. Apesar de toda a compreensão que já temos sobre a gripe, um dos principais pontos sobre as epidemias ainda permanece em aberto e mostra o quanto ainda precisamos estudar e entender o Influenza

Fontes:

[1] Leggiadro, R. (2001). Seasonal Variation of Host Susceptibility and Cycles of Certain Infectious Diseases The Pediatric Infectious Disease Journal, 20 (10) DOI: 10.1097/00006454-200110000-00027
[2] Lipsitch, M., & Viboud, C. (2009). Influenza seasonality: Lifting the fog Proceedings of the National Academy of Sciences, 106 (10), 3645-3646 DOI: 10.1073/pnas.0900933106
[3] Shaman, J., & Kohn, M. (2009). Absolute humidity modulates influenza survival, transmission, and seasonality Proceedings of the National Academy of Sciences, 106 (9), 3243-3248 DOI: 10.1073/pnas.0806852106
[4] Lowen, Anice; Palese, Peter. (2009). Transmission of influenza virus in temperate zones is predominantly by aerosol, in the tropics by contact: A hypothesis. PLoS Currents Influenza:RRN1002.