No texto anterior, foi discutida a capacidade do H5N1 de infectar uma série de hospedeiros e causar sintomas muito severos, causando mortes em mais de 50% dos casos humanos registrados. Apesar disso, sua transmissão de pessoa para pessoa parece ser bem limitada. Agora veremos quais características dele contribuem par isso.

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Tipos de ácido siálico. Fonte: Referência 2.

ResearchBlogging.orgConforme já vimos antes, quem determina o tipo de célula a ser infectada pelo Influenza é a Hemaglutinina (HA), devido à sua preferência pelo acido siálico da célula. Mas não é qualquer ácido siálico que pode ser utilizado. O reconhecimento pela HA depende da posição do carbono que faz a ligação do ácido com a molécula ao qual ele se prende. De acordo com esta posição a ligação recebe um nome. Nas aves e nos mamíferos, ocorrem principalmente os ác. siálicos α2,3 e α2,6.

No nosso trato respiratório, o ácido α2,6 predomina na parte superior, região das fossas nasais e faringe, enquanto o α2,3 ocorre principalmente no trato respiratório inferior, nos alvéolos, brônquios e outras células pulmonares. Vírus humanos possuem uma HA com mais afinidade por açúcares que terminam em um ácido siálico α2,6 e com isso conseguem se replicar no trato superior e serem melhor dispersos com tosse e espirros. Já os vírus aviários possuem mais afinidade por açucares terminados em α2,3, o predominante no sistema digestório de aves, local onde o vírus se replica. – Embora em mamíferos o Influenza seja um vírus predominantemente respiratório, em aves ele é um vírus principalmente intestinal.

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Influenza H5N1 em amarelo, visto por microscopia eletrônica e colorido artificialmente. Fonte: Wikimedia.

Assim, vírus aviários como o H5N1 quando infectam humanos acabam se ligando e se replicando melhor no trato respiratório inferior. Isto explica os sintomas graves no pulmão observados, bem como a dificuldade do H5N1 de ser transmitido entre humanos. Ele se  replica pouco em locais que facilitariam sua dispersão, como as fossas nasais. [1]

Apesar da elegância do argumento, já foram encontrados receptores α2,3 no trato respiratório superior, e α2,6 no inferior. O que levanta dúvidas sobre o quão significativa esta diferença pode ser para explicar a baixa transmissão do vírus. [2]

Outra propriedade importante deste vírus também diz respeito à HA, mais precisamente sua maturação. Após ser expressa pela célula, a HA ainda precisa ser digerida por uma protease externa para funcionar. Somente a Hemaglutinina fragmentada em pedaços consegue fundir o vírus à celula seguinte, completando a infecção, conforme já vimos aqui. Geralmente, quem faz esta digestão é uma protease produzida na mucosa do trato respiratório, restringindo o vírus a este ambiente.

Já a Hemaglutinina do H5N1 e outros vírus altamente patogênicos possui uma região de clivagem com vários aminoácidos básicos, que permitem a digestão da HA por diversas proteases, não só as encontradas em nosso trato respiratório. Como a protease furina, que ocorre em quase qualquer tipo de célula.  Com isso o Influenza HPAI é capaz de infectar e se replicar em vários outros tecidos e causar uma infecção sistêmica. [3]

Outras características são necessárias para um vírus ser altamente patogênico, como a capacidade de replicar o seu RNA de maneira eficiente em várias células. Isso se observa pois a substituição do sítio de clivagem de HA de vírus pouco patogênicos por um sítio com mais aminoácidos básicos, típico de Influenzas altamente patogênicos, não foi suficiente para que o vírus causasse sintomas mais severos em modelos animais, embora ele tenha se replicado com mais eficiência. [4]

É necessária uma monitoração constante do vírus e preparo preventivo de governos para garantir que, caso haja o surgimento de uma linhagem altamente patogênica transmitida entre humanos com sucesso, as medidas para contê-la sejam tomadas rapidamente, antes que maiores estragos sejam causados. A possibilidade do H5N1 sofrer um rearranjo com vírus já adaptados a humanos, melhorando sua eficiência de transmissão ou fornecendo propriedades perigosas, é muito preocupante.

Devido à gravidade de seus sintomas, diversidade de hospedeiros, circulação em animais que proximamente de humanos e por conter propriedades perigosas, desde o surgimento do H5N1 monitoramos aves domésticas e silvestres. Esta ameaça também motivou o estoque de antivirais e a ampliação da capacidade de produção de vacinas e de realização de testes diagnósticos.

Muito deste preparo está sendo aproveitado nesta pandemia de 2009, só nos EUA foram diagnosticados mais de 50 mil casos de Influenza A (H1N1), um número inédito de testes. Nunca tamanha quantidade de antivirais esteve disponível para consumo tão prontamente. O mesmo pode-se dizer quanto à quantidade de doses de vacina sendo produzidas. Por mais que estas medidas tenham sido tomadas contra o H5N1, elas são efetivas para qualquer Influenza. Prevenção sempre dá retorno.

[1] van Riel, D. (2006). H5N1 Virus Attachment to Lower Respiratory Tract Science, 312 (5772), 399-399 DOI: 10.1126/science.1125548
[2] Zambon, M. (2007). Lessons from the 1918 influenza Nature Biotechnology, 25 (4), 433-434 DOI: 10.1038/nbt0407-433
[3] Steinhauer, D. (1999). Role of Hemagglutinin Cleavage for the Pathogenicity of Influenza Virus Virology, 258 (1), 1-20 DOI: 10.1006/viro.1999.9716
[4] Stech, O., Veits, J., Weber, S., Deckers, D., Schroer, D., Vahlenkamp, T., Breithaupt, A., Teifke, J., Mettenleiter, T., & Stech, J. (2009). Acquisition of a Polybasic Hemagglutinin Cleavage Site by a Low-Pathogenic Avian Influenza Virus Is Not Sufficient for Immediate Transformation into a Highly Pathogenic Strain Journal of Virology, 83 (11), 5864-5868 DOI: 10.1128/JVI.02649-08