Algum dia teremos uma vacina universal contra o Influenza? Algo que acabe com a necessidade de todos os anos desenvolver uma vacina nova e garantir que uma grande parte da população a receba?

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Unidade da Hemaglutinina. Em azul a região que se liga à célula e em vermelho a região de fusão com a membrana. Fonte: referência 2

ResearchBlogging.orgDesenvolver vacinas anuais contra a gripe é uma maneira muito dispendiosa de evitar esta doença, por mais que seja a mais eficiente. É necessário um monitoramento mundial de variantes, encontros bianuais para discutir quais serão utilizadas na vacina, ciclos de produção e testes periódicos, etc.
E ainda há o pior de todos os problemas: a aderência à vacina. Todos os anos as pessoas precisam ser vacinadas e é muito frequente que deixem de receber. Mesmo vacinas de dose única como a da poliomielite não são tomadas por 100% da população.
Assim, uma vacina contra Influenza que garantisse proteção com apenas uma dose seria muito mais efetiva e reduziria em muito os custos anuais de prevenção da gripe, com o possível benefício de proteger contra variantes que ainda não estão circulando em humanos, prevenindo o aparecimento de novas pandemias.
Geralmente, a proteção vacinal vem através de anticorpos neutralizante. Anticorpos neutralizantes são aqueles que, além de se ligar ao vírus e sinalizar ao sistema imune que destrua aquele corpo estranho, ainda são capazes de impedir o vírus de completar a infecção com sucesso.
Como a proteína mais imunogênica do Influenza é a Hemaglutinina, anticorpos neutralizantes geralmente a impedem de se ligar ao ácido siálico bloqueando o sítio de reconhecimento. O sítio de reconhecimento fica na superfície da HA e é prontamente atacado por nossos anticorpos. Mas ele é uma região muito variável do vírus e, com algumas mutações da HA, ela deixa de ser efetivamente inativada pelo anticorpo. Isto é o que acontece inclusive com as linhagens vacinais, conforme já vimos anteriormente.
Através de uma abordagem diferente, foi possível a produção de anticorpos de largo espectro,  capazes de reconhecer várias Hemaglutininas de vírus diferentes. Ao invés de utilizarem vírus completos para desenvolver os anticorpos, cientistas utilizaram apenas a proteína HA purificada. Desta forma, regiões menos acessíveis da proteína, que normalmente ficam muito próximas da membrana viral e indisponíveis puderam ser utilizadas pelo sistema imune.
O resultado foi realmente promissor. Foram encontrados anticorpos capazes de reconhecer 8 entre as 16 hemaglutininas conhecidas, abrangendo as mais comuns em humanos (e por consequência mais relevantes), como a H1 e a H5. O que torna este anticorpo capaz de neutralizar vírus como o H1N1 de 1918 e o H5N1 aviário.
A chave deste sucesso foi a região reconhecida pelos anticorpos. Ao invés do sítio de ligação de ácido siálico, eles atacam o peptídeo de fusão, região da HA que é inserida na célula e faz a fusão da membrana viral com a membrana do endossomo, estrutura celular que permite a entrada do Influenza. Como a membrana celular tem propriedades específicas, o peptídeo de fusão precisa ser muito conservado e qualquer mudança implica em perda de função.
Infelizmente H3 e H7, HAs de vírus importantes, não são reconhecidas por estes anticorpos, por pertencerem ao segundo grupo de HAs, o grupo 2 que possui um peptídeo de fusão diferente.
Os vírus reconhecidos estão todos dentro do grupo 1 das Hemaglutininas. Por outro lado, não foi encontrado nenhum vírus H5N1 mutante que deixou de ser neutralizado pelos anticorpos nos testes realizados, reforçando a importância da região de fusão do vírus.
Estudos como este que buscam novas regiões de reconhecimento por anticorpos, mais conservadas, abrem a perspectiva de um dia termos à disposição vacinas capazes de combater diversos tipos de Influenza, e por períodos mais longos.
Fontes:

[1]Sui, J., Hwang, W., Perez, S., Wei, G., Aird, D., Chen, L., Santelli, E., Stec, B., Cadwell, G., Ali, M., Wan, H., Murakami, A., Yammanuru, A., Han, T., Cox, N., Bankston, L., Donis, R., Liddington, R., & Marasco, W. (2009). Structural and functional bases for broad-spectrum neutralization of avian and human influenza A viruses Nature Structural & Molecular Biology, 16 (3), 265-273 DOI: 10.1038/nsmb.1566
[2] Wang, T., & Palese, P. (2009). Universal epitopes of influenza virus hemagglutinins? Nature Structural & Molecular Biology, 16 (3), 233-234 DOI: 10.1038/nsmb.1574