25/08/2009
Por que tememos a gripe 1 – os antivirais
Para começar a jornada deste blog, e tratar do H1N1 e da gripe em geral, resolvi começar com textos que abordem o outro lado do Influenza. Vamos ver o que se passa por trás do vírus e das decisões que são tomadas em relação a ele.
Com vírus como o Ebola, que já chegou a matar mais de 90%, por que tememos o Influenza, que normalmente mata menos do que 0,5% dos infectados? Por que achamos que as grandes pandemias serão causadas por um vírus que pode nem causar sintomas?
Antes de tudo, temos que entender porque a maior ameaça pode ser um vírus, já que muitas doenças infecciosas graves são causadas por bactérias. Cólera, tuberculose e outras, muitas das quais ainda matam milhares de pessoas por ano. E apesar dos nossos esforços, ainda seguem causando estragos, principalmente em países subdesenvolvidos. Mas as bactérias possuem um ponto fraco: elas têm metabolismo, elas digerem e produzem moléculas.
Vírus são parasitas intracelulares obrigatórios. Isso quer dizer que, precisam estar dentro de uma célula para poderem se reproduzir. Eles não são capazes de realizar metabolismo, precisam cooptar o da célula para si. Já as bactérias, por mais que parasitem outros organismos, possuem um metabolismo próprio. É nessa diferença que reside o segredo dos antibióticos.
Como somos bem diferentes das bactérias, elas possuem muitas moléculas diferentes que são alvos de antibióticos. A penicilina, por exemplo, ataca os peptideoglicanos da parede celular bacteriana. Não existe nada parecido em nosso corpo, assim a penicilina pode atacar as bactérias sem nos atingir.
Já no caso dos vírus, a situação é mais complicada. Como eles quase sempre utilizam nossas moléculas, atacá-las é garantia de graves efeitos colaterais. Problema parecido se apresenta quando tentamos combater tumores, como são nossas células crescendo descontroladamente, é muito difícil de atacá-los sem prejudicar células saudáveis. Nos resta buscar algo de único dos vírus e atacar o que não deve nos atingir. Os primeiros alvos são as enzimas.
Enzimas são proteínas que catalizam reações químicas. Elas aceleram reações que demorariam muito tempo para ocorrer. Para tal, as enzimas precisam ser capazes de se ligar ao que vão reagir, o substrato, e transformá-lo em produto. Isso demanda um formato certo, uma estrutura que comporte o substrato e favoreça a reação que ela acelera. Pense em um espremedor de alho, que cataliza a transformação do mesmo em pasta, ele precisa ter um desenho certo e ser capaz de abrigar o dente de alho para funcionar. Este formato, esta especificidade é o que usamos contra o vírus.
Drogas antivirais em sua maioria são capazes de atacar enzimas do vírus, usando a especificidade delas. Ou se passando por um substrato que não pode ser quebrado e entope a enzima – um dente de alho inquebrável no exemplo acima – ou se ligando a outro ponto da enzima e induzindo uma mudança no formato dela que acaba com a especificidade – como se estragássemos o eixo no qual o espremedor se dobra.
No caso do HIV por exemplo, um dos alvos do tratamento é a protease do vírus, uma enzima que digere proteínas, com drogas que se ligam e a impedem de funcionar sem atacar nossas proteases. Outra classe de drogas são os terminadores de cadeia, drogas que são incorporadas pelas polimerases virais, enzimas que fazem a cópia do material genético, DNA ou RNA, impedindo-as de continuar a cópia. Nossas polimerases são menos afetadas por estes terminadores porque possuem a atividade de reparo. Quando incorporam a droga, elas são capazes de desfazer a reação e reparar o DNA, ao contrário dos vírus.
Para o influenza, os antivirais disponíveis atualmente são focados em duas proteínas. A M2 forma um poro que o vírus utiliza para escapar da vesícula por onde entrou na nossa célula, e o antiviral entope este poro. A outra proteína é a Neuraminidase. Esta cliva nosso ácido siálico, um açúcar da superfície celular que o vírus usa para entrar e precisa cortar para poder sair. Uma neuraminidase com o inibidor ligado se encontra na imagem que ilustra este texto.
A especificidade das enzimas também é a fraqueza da nossa estratégia de combate. Bactérias são capazes de escapar de antibióticos, geralmente destruindo a droga ou jogando-a para fora da célula antes que ela faça efeito. Mas ambos requerem novos passos no metabolismo, não tão simples de serem adquiridos.
Já para os vírus, basta a enzima perder a afinidade pela droga. Com algumas mutações, o vírus é capaz de mudar sua enzima de forma que ela perde um pouco da especificidade. Agora, a droga não se liga mais como fazia antes. Isso tem um custo para o vírus, quase sempre uma enzima resistente à droga possui atividade comprometida. Ela se liga com mais dificuldade ao substrato também. Mas uma enzima menos eficaz ainda é melhor do que uma enzima impedida de funcionar, de forma que mesmo com certo custo, um vírus resistente pode ser bem sucedido.
Enquanto isso, buscamos novas enzimas alvo, novas formas de atacar os vírus, que impossibilitem ou pelo menos dificultem o surgimento e propagação de linhagens resistentes. E principalmente, temos que planejar a maneira como administramos os remédios atuais para não perdermos os poucos recursos que temos. As vacinas seguem como a melhor medida para prevenir e conter uma epidemia de Influenza.
Fonte:
De Clercq, E. (2002). STRATEGIES IN THE DESIGN OF ANTIVIRAL DRUGS Nature Reviews Drug Discovery, 1 (1), 13-25 DOI: 10.1038/nrd703
(pdf)
14 Comentários » Postado em: Combate ao vírus
Pô, Átila
Vc se supera a cada dia. Um exemplo para nós. Parabéns!!!
Parabéns pela iniciativa.
[]s,
Roberto Takata
Meus cumprimentos
Minha contribuição:
Locais onde se reunem diversas pessoas, como por exemplo: salas de aeroportos deveriam serem providos de circuladores de ar com neblina d’água pois é o método mais eficiente, prático e barato para decantarem as bactérias aeróbicas e devolverem o ar purificado.
Saudações Átila, desde que eu vi o seu blog Rainha Vermelha que eu virei fã. Sou professor de biologia e foi criado uma rede social chamada Professores de biologia para professores que fizeram ou vão fazer atualização para sala de aula pelo CEDERJ/CECIERJ. Lá mantenho um grupo chamado “Conhecimento é poder” onde sempre que sai alguma notícia super interessante no seu blog (Rainha Vermelha, Papo de Homem e agora aqui no Influenza) posto lá. O motivo do meu comentário é para agradecer o ótimo trabalho que você e o pessoal do scienceblogs está fazendo. E também tirar uma dúvida. Recebi por email está informação sobre a vacina H1N1 mas eu estou achando que é boato e como você é o “Cara” entendido no assunto. Resolvi postar aqui o que diz o email, de repente você pode me elucidar para eu também elucidar a rede dos professores de biologia e também a nova rede que se chama Influenza A H1N1. Aqui vai o conteúdo do email:
olá!
recebi esse e-mail sobre a vacina e achei interessante repassá-lo, nunca sabemos até q ponto as notícias veiculadas pela web tem algum fundamento, porém não custa nada ler.
A vacinação em massa está programada para o início do Outono aí p vcs..
Ela será tripla. E segundo as pessoas que estão trabalhando arduamente para impedir este genocídio em massa do planeta, ela tem mercúrio e oleo de esqualeno, que são altamente tóxicos.
Até onde sei, a primeira vacina faz com que as hemacias caiam drásticamente, a segunda injeta o vírus, e a terceira “liga” o corpo de novo p ele começar a lutar, só que aí já é tarde tamanha a violência do ataque dos virus que já se multiplicaram.
Isso tudo com a ajuda da OMS (ONU), e da NOvartis que é quem criou o vírus (e a vacina!).
Uma jornalista austríaca Jane Burgermeister, protocolou essa semana um processo contra a ONU (Organização Mundial da Saude) acusando-os de tentativa de assassinato em massa das populações do planeta através de vacinação compulsória, cuja vacina está cheia de agentes altamente letais e tóxicos, e a Novartis também por genocidio e lucro com a venda de uma vacina que nem testada foi. Detalhe: a gripe “apareceu” no México, curiosamente, uma das fábricas da Novartis, fica á 50km de onde o primeiro foco começou.
Isso, NÃO é brincadeira. Aqui todos estão iguais a robôs e papagaios repetindo o que a TV diz, mas é muito muito sério. Eu estou me mobilizando o máximo que posso para fazer com que o numero máximo depessoas tbem saibam e ajam URGENTEMENTE.
NÃO acredite em nada do que alguém da saúde daqui possa te dizer em contrário. Duvide de tudo. Faça sua própria pesquisa. Somos signatários da ONU e teremos de fazer o que ela quer com a ajuda militar. Mas se a população acordar antes, isso poderá ser evitado.
Obrigado desde já.
PS:Se quiseres mando-te um convite para fazer parte das redes sociais.
Márcio,
Este e-mail é mais um daqueles conspiracionistas sem nenhum fundo de verdade. Não há mercúrio na vacina, e a vacina para o Influenza A H1N1 só estará disponível no começo do ano que vem.
Este e-mail é a tradução de um dos vários da campanha anti-vacina que acontece atualmente nos EUA, e desqualifica a melhor e mais segura forma de conter a gripe.
E são várias as empresas que produze, vacina ao redor do mundo. Aqui no Brasil será o Instituto Butantã.
Obrigado pela resposta Átila. Já postei sua resposta na rede. Abraços.
Excelente iniciativa Átila!
Sou leitor assiduo das tuas informações. Tenho uma pergunta, talvez tu saida respondê-la: qd irá definitivamente decair o número de contágios dessa gripe? Faço essa pergunta pq li em um dos teus artigos os gráficos acerca de outras influenza e, dente elas, a da gripe espanhola cujo formata era em “W”.
Sou leigo no assunto,porém acho q o MS deveria divulgar informações em tempo real. Sei q é utópico, mas se possivel fosse, daria pra ter uma boa ideia do encaminhamento dessa gripe.
Será q vai se estender em ascensão até meados do fim de setembro?
Aguardo tua resposta.
COntinue divulgando teu trabalho!
valeu!
Leonardo,
Baseando-se na gripe comum, que é o parâmetro que temos, o Influenza A H1N1 deve diminuir os contágios já nesta época. Com o aumento de temperatura e humidade, fica bem mais difícil do vírus ser transmitido.
A curva em W da gripe espanhola obedeceu idades, e não período do ano. Ainda vou discutir isso por aqui, bastante coisa interessante pode ser deduzida dela.
Átila,
O meu filho de 4 anos está com uma febre de 39 graus desde do último sábado à noite (dia 31/08) que cede com novalgina e retorna após 6 horas, está tomando Novamox desde segunda à noite,pois o pediatra acredita em amigdalite, já o levei ao pediatra duas vezes e no hospital ontem e eles descartaram a hipótese do uso do Tamiflu, porque além da febre e nariz entupido ele não está desaminado e ainda está com apetite. Estou desesperada, pois em se tratando da gripe suína não acho que ninguém tem certeza do diagnóstico e nunca vi uma febre tão alta durar tanto tempo. Na sua opinião existe a hipótese dele ter contraído a gripe suína e ela ter sido a porta de entrada para a infecção da gartanta? O antibiótico pode estar não fazendo efeito devido ao vírus da gripe suína? O Tamiflu adiantaria em que neste caso e se sim como convencer algum médico a me dar a receita, pois me parece que todos estão com medo de receitá-lo. O uso de corticóide seria indicado?
O que devo fazer?
Atenciosamente,
Valéria Rocha
[...] No texto anterior abordei porque é difícil desenvolver antivirais, aqui vamos entender quais são as características do vírus influenza que nos preocupam. [...]
Valéria,
Desculpe mas não tenho formação médica nem acesso aos exames do seu filho, de forma que não posso emitir nenhuma opinião sobre isso. Entendo sua preocupação mas só posso lhe recomendar que procure outro médico para ter uma segunda opinião, ainda mais se a febre persiste.
Atenciosamente,
Atila
Atila,
eh verdade que existe noticias em revistas brasileira que esta pandemia estava prevista pra acontecer este o ano de 2000 e ela chegou aos humanos com nove anos de atraso. refiro-me a revista saude de junho de 2000.
abracos
winston
Winston,
Sempre esperamos uma supergripe. Alguns artigos da decada de 90 inclusive apontavam que seria um vírus suíno, dada a frequência do rearranjo entre virus aviários e suínos. Alguns trabalhos que achei em uma busca rápida no pubmed:
While awaiting the next pandemic of influenza A. 1994
European swine virus as a possible source for the next influenza pandemic? 1995
Swine influenza virus: zoonotic potential and vaccination strategies for the control of avian and swine influenzas. 2008
E o melhor é que estavam certos. Grande parte da estrutura de que dispomos agora, produção de vacinas no Butantan, estoques de Tamiflu, sequenciamento rápido de amostras de Influenza e inclusive a vigilância global são consequências destas previsões e do medo que o H5N1 nos causa desde 1997.
[...] bem, esta gripe é sim uma realidade anunciada. Inclusive, vários artigos já discutiam isso. Mas deixo a explicação por conta deste ótimo texto de Reinaldo Lopes, jornalista da Folha de [...]